São
Pio X, logo no começo do seu Pontificado, teve que enfrentar uma grave
questão, causada pela política liberal dos Estados. Antes de entrar no
tema, recordemos brevemente qual deveria ser a relação normal entre a
Igreja e os Estados, e o que é o liberalismo.
Um
católico sabe que o maior bem do homem é conhecer a Verdade, Deus, e
poder alcançá-lo livremente, ajudado por sua graça. Ao contrário, para
um liberal, o maior bem do homem é a liberdade: o homem deve ser livre
para escolher entre o certo ou o errado, o verdadeiro ou o falso.
"Liberdade" é o sumo bem para um liberal, independente de qualquer
coisa, até mesmo do bem e da verdade. No entanto, basta pensar um pouco
para perceber que a possibilidade de buscar o erro ou o falso não são
qualidades da liberdade, e sim defeitos seus. O homem é "livre" para
buscar "livremente" o Bem e a Verdade, ou seja, Deus. Mas quando
"livremente" busca o mal e o erro, mostra um defeito e mau uso da
liberdade.
Passemos
adiante. O erro do liberalismo não é apenas uma doutrina, senão que
alcança todos os âmbitos da vida dos homens. O liberalismo alcança a
economia, e dá à luz o liberalismo econômico; toca o pensamento, e temos
a liberdade de imprensa, de opinião, reformas liberais, projetos
liberais, etc. Enfim, quando o liberalismo toca a vida dos Estados, dá à
luz o liberalismo político, ou seja, ele postula que os Estados possam
escolher seus caminhos por si mesmos, independente da Igreja, da Moral,
ou de qualquer limitação externa que pareça limitar sua liberdade de
escolher seus destinos, sejam para buscar o bem ou o mal. A conseqüência
é muito clara: o liberalismo exige a separação da Igreja e do Estado, e
não consegue suportar que haja colaboração entre eles.
A
relação normal entre a Igreja e o Estado católico pede uma cooperação: o
Estado busca o bem comum temporal dos seus cidadãos; mas este bem comum
temporal está subordinado à salvação das almas e a glória de Deus, que
são os fins da Igreja, portanto, a cooperação entre eles é necessária.
Por outro lado, o Estado de pensamento liberal busca a completa
separação das duas ordens: os homens, em sua vida privada, até podem ser
católicos, mas o Estado deve ser laico, ateu. Essa separação da Igreja e
do Estado é o erro do liberalismo, pois o mesmo Deus criou aos homens, e
os criou sociáveis, com a necessidade de viverem em sociedade. As leis
não são independentes da Moral: também as leis devem respeitar os
mandamentos divinos, promover o bem da Igreja e dispor os homens para
alcançar aquele bem comum sobrenatural, que é
a glória de Deus mesmo.
Essa
política liberal de separação entre a Igreja e o Estado levantou
dificuldades assim que São Pio X foi eleito Papa, primeiramente na
França, depois em Portugal. Seguiremos aqui a história do que aconteceu
na França.
O
governo francês, liberal, vinha buscando algum pretexto para justificar
a sua separação da Igreja, porém buscavam acusar a Igreja da
responsabilidade.
No
século anterior, o governo francês tinha assinado uma concordata,
segundo a qual o Papa e o Presidente (ou Imperador) intervinham juntos
para a nomeação dos bispos, ou seja, o governo apresentava o candidato a
Roma, e o Papa aprovava ou não, caso não houvesse obstáculos para tal
dignidade. A fim de encontrar um pretexto para desligar-se da Igreja, o
governo francês começou a indicar padres indignos para serem bispos das
dioceses vagas, e pediu a remoção de um bispo, mas com um estilo nada
respeitoso. O Papa teve que recusar as nomeações, porque os candidatos
não eram idôneos. Imediatamente o governo francês cortou as relações
diplomáticas com a Santa Sé, e o Parlamento preparou a toda pressa a lei
de separação da Igreja e do Estado.
Todos
os bens da Igreja passaram a pertencer ao Estado (em outras palavras, o
Estado roubava tudo o que fosse da Igreja: até hoje, todas as igrejas
são propriedade do Estado francês), todos os religiosos estrangeiros
foram expulsos do território francês, as congregações religiosas foram
dissolvidas, os religiosos e religiosas foram expulsos dos hospitais,
colégios, abrigos e asilos. Bispos, padres e seminaristas foram expulsos
das suas casas que passaram a pertencer ao governo, e tiveram que pedir
hospitalidade nas casas particulares e a viver da caridade dos fiéis.
O
Papa protestou energicamente dois dias depois da promulgação dessa
iníqua lei. Com a encíclica Vehementer, do começo de 1906, o Papa
condenou solenemente essa lei da separação. Por fim, o Papa exortou o
clero e o povo católico francês a suportar com resignação as
perseguições, confiando em Deus, de quem procede todo o socorro e todo o
consolo, e também a se manterem sempre firmes na fé, na concórdia e na
união com a Santa Sé. Para demonstrar ao povo francês a sua paternal
benevolência, agora sem a intervenção do Estado, São Pio X consagrou
pessoalmente quatorze bispos franceses. Seriam estes bispos os apóstolos
da França.
Nessa
ocasião, quando os católicos se viram sem igrejas (porque todas elas
tinham passado a pertencer ao Estado), o Papa dirigiu aos franceses uma
frase consoladora, que bem pode ser dita nos nossos dias: "Eles têm as igrejas, vocês têm a Fé".
Concluindo,
pois, devemos dizer que São Pio X, corajoso defensor dos direitos da
Igreja e da religião, nunca deixou de apoiar os católicos diante da
injustiça dos governos liberais, mesmo quando isso custasse inúmeras
penas e sacrifícios. Era o "restabelecimento de todas as coisas Cristo",
seu lema, e diante de abusos de toda espécie, dava mostras da sua mansa
fortaleza, que é a força do justo: "Antes quebrar do que torcer".
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