terça-feira, 10 de janeiro de 2012

São Pio X e os estados liberais


São Pio X, logo no começo do seu Pontificado, teve que enfrentar uma grave questão, causada pela política liberal dos Estados. Antes de entrar no tema, recordemos brevemente qual deveria ser a relação normal entre a Igreja e os Estados, e o que é o liberalismo.
Um católico sabe que o maior bem do homem é conhecer a Verdade, Deus, e poder alcançá-lo livremente, ajudado por sua graça. Ao contrário, para um liberal, o maior bem do homem é a liberdade: o homem deve ser livre para escolher entre o certo ou o errado, o verdadeiro ou o falso. "Liberdade" é o sumo bem para um liberal, independente de qualquer coisa, até mesmo do bem e da verdade. No entanto, basta pensar um pouco para perceber que a possibilidade de buscar o erro ou o falso não são qualidades da liberdade, e sim defeitos seus. O homem é "livre" para buscar "livremente" o Bem e a Verdade, ou seja, Deus. Mas quando "livremente" busca o mal e o erro, mostra um defeito e mau uso da liberdade.
Passemos adiante. O erro do liberalismo não é apenas uma doutrina, senão que alcança todos os âmbitos da vida dos homens. O liberalismo alcança a economia, e dá à luz o liberalismo econômico; toca o pensamento, e temos a liberdade de imprensa, de opinião, reformas liberais, projetos liberais, etc. Enfim, quando o liberalismo toca a vida dos Estados, dá à luz o liberalismo político, ou seja, ele postula que os Estados possam escolher seus caminhos por si mesmos, independente da Igreja, da Moral, ou de qualquer limitação externa que pareça limitar sua liberdade de escolher seus destinos, sejam para buscar o bem ou o mal. A conseqüência é muito clara: o liberalismo exige a separação da Igreja e do Estado, e não consegue suportar que haja colaboração entre eles.
A relação normal entre a Igreja e o Estado católico pede uma cooperação: o Estado busca o bem comum temporal dos seus cidadãos; mas este bem comum temporal está subordinado à salvação das almas e a glória de Deus, que são os fins da Igreja, portanto, a cooperação entre eles é necessária. Por outro lado, o Estado de pensamento liberal busca a completa separação das duas ordens: os homens, em sua vida privada, até podem ser católicos, mas o Estado deve ser laico, ateu. Essa separação da Igreja e do Estado é o erro do liberalismo, pois o mesmo Deus criou aos homens, e os criou sociáveis, com a necessidade de viverem em sociedade. As leis não são independentes da Moral: também as leis devem respeitar os mandamentos divinos, promover o bem da Igreja e dispor os homens para alcançar aquele bem comum sobrenatural, que é a glória de Deus mesmo.
Essa política liberal de separação entre a Igreja e o Estado levantou dificuldades assim que São Pio X foi eleito Papa, primeiramente na França, depois em Portugal. Seguiremos aqui a história do que aconteceu na França.
O governo francês, liberal, vinha buscando algum pretexto para justificar a sua separação da Igreja, porém buscavam acusar a Igreja da responsabilidade.
No século anterior, o governo francês tinha assinado uma concordata, segundo a qual o Papa e o Presidente (ou Imperador) intervinham juntos para a nomeação dos bispos, ou seja, o governo apresentava o candidato a Roma, e o Papa aprovava ou não, caso não houvesse obstáculos para tal dignidade. A fim de encontrar um pretexto para desligar-se da Igreja, o governo francês começou a indicar padres indignos para serem bispos das dioceses vagas, e pediu a remoção de um bispo, mas com um estilo nada respeitoso. O Papa teve que recusar as nomeações, porque os candidatos não eram idôneos. Imediatamente o governo francês cortou as relações diplomáticas com a Santa Sé, e o Parlamento preparou a toda pressa a lei de separação da Igreja e do Estado.
Todos os bens da Igreja passaram a pertencer ao Estado (em outras palavras, o Estado roubava tudo o que fosse da Igreja: até hoje, todas as igrejas são propriedade do Estado francês), todos os religiosos estrangeiros foram expulsos do território francês, as congregações religiosas foram dissolvidas, os religiosos e religiosas foram expulsos dos hospitais, colégios, abrigos e asilos. Bispos, padres e seminaristas foram expulsos das suas casas que passaram a pertencer ao governo, e tiveram que pedir hospitalidade nas casas particulares e a viver da caridade dos fiéis.
O Papa protestou energicamente dois dias depois da promulgação dessa iníqua lei. Com a encíclica Vehementer, do começo de 1906, o Papa condenou solenemente essa lei da separação. Por fim, o Papa exortou o clero e o povo católico francês a suportar com resignação as perseguições, confiando em Deus, de quem procede todo o socorro e todo o consolo, e também a se manterem sempre firmes na fé, na concórdia e na união com a Santa Sé. Para demonstrar ao povo francês a sua paternal benevolência, agora sem a intervenção do Estado, São Pio X consagrou pessoalmente quatorze bispos franceses. Seriam estes bispos os apóstolos da França.
Nessa ocasião, quando os católicos se viram sem igrejas (porque todas elas tinham passado a pertencer ao Estado), o Papa dirigiu aos franceses uma frase consoladora, que bem pode ser dita nos nossos dias: "Eles têm as igrejas, vocês têm a Fé".
Concluindo, pois, devemos dizer que São Pio X, corajoso defensor dos direitos da Igreja e da religião, nunca deixou de apoiar os católicos diante da injustiça dos governos liberais, mesmo quando isso custasse inúmeras penas e sacrifícios. Era o "restabelecimento de todas as coisas Cristo", seu lema, e diante de abusos de toda espécie, dava mostras da sua mansa fortaleza, que é a força do justo: "Antes quebrar do que torcer".